quarta-feira, setembro 23, 2009

"A comédia da vida privada"

[Discurso de uma neurótica a seu ficante, amante, caso, relacionamento não definido ou namorado potencial]

"Não leva a mal o que eu vou dizer, tá?. É que eu não vejo graça nesses jargões sexuais que você usa quase sempre quando quer me elogiar. Eu devia ficar feliz por ser desejada, mas não desse jeito. Por que tem que ser tudo tão direto e esculachado? Não dá pra ter o mínimo de criatividade e senso de sedução? Pra falar a verdade, eu fico inexplicavelmente [ou explicavelmente] incomodada, porque parece que só te interessa o que há entre minhas pernas ou o que está periférico a isso. Só isso não me apetece. Eu quero mais. Eu quero ser mais pra você. Eu quero ser inteligência, inspiração, desejo, motivação e um monte de outras coisas que eu posso ser e você nem enxerga ou sequer supõe. Essa sacanagenzinha toda que você fala, às vezes, me desqualifica. É uma questão minha. Eu sei. Isso é entre mim, minha mãe, Freud e um terapeuta pra interpretar. Eu sei. No bom popular: 'É um problema sexual meu'. Sim, é. Mas nós somos um casal, não somos? Não no sentido lírico, romântico e cor de rosa. Não há violinos tocando ao fundo de nossas conversas. Talvez nós não funcionemos da maneira mais idealizada, mas no sentido genérico HOMEM+MULHER, sim, nós somos um casal. Então, sinto informar que se você me quer como diz, me deseja como diz, me acha linda e coisa e tal, a partir de agora, meu caro, é uma questão sua também. Uma questão nossa! Porque você é o outro ser implicado nessa relação e se você não deixar de me tratar como uma boneca inflável de carne e osso, vai continuar sendo mesmo uma questão só minha, entedeu? Ou de qualquer outra pessoa que tenha o mínimo de empatia e sensibilidade. Não tome isso como ameaça, é só uma advertência. Tudo pelo bem do nosso relacionamento."

[Depois do monólogo travestido de lição de moral, o fulaninho saiu pra comprar cigarro e nunca mais voltou!]

sexta-feira, setembro 11, 2009

Sobre vingança e outros assuntos não-cristãos


Como é que dizem mesmo? “Vingança é um prato que se come frio”. Bem, eu tenho uma natureza vingativa velada, trancada a sete chaves dentro de mim, mas que não conseguiria negar por honestidade compulsiva. Se é um prato, pouco importa, poderia ser uma tigela, uma bacia ou um pires, mas minha ansiedade não suportaria que eu deixasse esfriar pra degustar. Por outro lado meu superego gritaria comigo e me faria chorar copiosamente se eu infligisse algum mal ao próximo. Nesse caso, a saída possível é desejar coisas horríveis aos meus desafetos, em silêncio, com uma ânsia sufocadora por justiça, mas sempre pedindo desculpas por deixar aparecer meu lado perverso e pouco cristão.

Pois bem, já que não posso colocar meus planos de vingança em prática porque sou uma histérica - e sair da condição de vitima poderia me render um câncer ou uma esofagite ou ainda um lugar no inferno - fico especialmente feliz quando os atos vingativos acontecem, não por minha responsabilidade, e aí está o alívio, mas por questão de justiça incontestável. É bem nessa hora que você constata que os seus sentimentos quanto àquele sujeito detestável, narcisista, perverso e infantil que partiu o coração de sua amiga e o seu por ter acreditado nele tanto quanto ela e que teve o que mereceu na hora certa, com toda pompa e circunstância, não correspondem ao ódio desmedido e passível de recriminação, mas tão simplesmente a um retorno justo de todo mal causado. Conspiração do cosmos, da Via Láctea ou de qualquer galáxia longínqua, ou só a materialização de meus desejos inconscientes? Quem poderia explicar? Ainda que sejam repercussões sobrenaturais, ver um imbecil pagando por seus pecados é realmente libertador e repito: um ato de justiça!

É claro que a justiceira aqui não se enquadra bem nos moldes de Madre Tereza. É muito provável que ondas de ódio me persigam por ai também. Eu só estou defendendo meu direito de ter sentimentos pouco nobres, desejar a morte, imaginar atos cruéis com as pessoas perversas desse mundo sem me colocar no mesmo nível de perversão. Embora todos estes desejos malignos listados sejam nada mais, nada menos do que perversão não assumida. Enfim, eu quero ir pro Céu, mas odiar e desejar vingança é inevitável. É humano, até. Claro, que é também um dilema a ser superado em uma existência inteira. É só não esquecer o bom senso e desejar o mal só por catarse e a quem merece penar nesta terra. Então fica assim: Naõ precisa ultrapassar os limites e limite eu obedeço bem porque, graças a Deus, mamãe me fez neurótica! Pelo bem dos odiados por mim, a culpa que me consome arrefece meus impulsos assassinos (além do medo de ser molestada por lésbicas na cadeia). É isso. Absolvida!