terça-feira, novembro 23, 2010

Só mais uma história fictícia, confusa e sem final definido.

Um dia acordou sobressaltada com os pensamentos que a assombraram a vida toda. Por medo da solidão investiu tudo o que tinha de afeto apenas no que lhe traria retorno garantido. Nunca arriscou viver grandes amores: irresponsáveis, inconvenientes, imprevisíveis pois preferia evitar grandes decepções desnecessárias. Sua economia afetiva lhe garantiu a construção de um mundo à parte do real e de uma ironia, já que de tão abstrato se tornou sólido o suficiente pra embrutecer algumas esperanças. Sua curta história não era repleta de emoções, surpresas, grandes acontecimentos ou revelações. Sua história era amena, calculada, contraditória, construída com a solidez de uma solidão que só ela entendia, mas não sabia explicar. Virgínia, aos 25 anos já era uma profissional bem sucedida e bem relacionada. Possuía amigos leais e legais. Não era rica, mas tinha dinheiro suficiente pra suprir seu espírito consumista. Mesmo não fazendo o mínimo esforço atraía alguns olhares masculinos de intenções diversas, mas nunca percebia porque estava sempre focada no trabalho, nos amigos, na família, na fome do mundo, nos pobres da Etiópia e nunca no fato de não namorar desde que foi ao ginecologista pela primeira vez. Virgínia tinha quase todas as qualidades que fazem de uma mulher quase o melhor partido da cidade: tinha beleza, inteligência, autonomia afetiva e financeira, era tolerante, assertiva, supostamente amada e admirada por meio mundo de gente. Só que Virgínia sofria de um mal, uma aberração pra uma mulher da sua idade e com seus predicados vivendo em sociedade moderna. Levando a sério o trocadilho infame Virgínia era virgem. Não no signo, mas em outros terrenos ou em mares nunca dantes navegados. Antes era por convicção na castidade santa. No fim da adolescência foi por causa da ressignificação de seus afetos e dependências que, até então, não condiziam com o perfil de mulher digna, autônoma e crítica. Ela foi deixando de acreditar que precisaria de amor de homem pra sobreviver e ser feliz, foi talhando seu percurso de tal forma que era inevitável que o momento de inauguração de novas sensações prescrevesse. Fato: prescreveu. E porque prescreveu ela não via mais sentido em ficar perturbada com sua condição. Só lhe restou substituir libido pelas tantas qualidades que fazem dela o quase melhor partido da cidade, como devoção à família e amigos, sacadas espertas e trocadilhos bem colocados que arrancam risadas incontroláveis até do cidadão mais carrancudo, etecétera e etecétera e tal. Enfim, neste percurso ela esqueceu como se seduz. Até mesmo porque ela não precisaria dessa tecnologia para o mundo de autonomia que forjou pra si. Na verdade, ela achava que não sabia seduzir. Que isso era coisa pra gente cheia de autoconfiança e conhecimentos sobre o amor e sobre os homens. Mas um dia ela acordou assombrada com a solidão e viu que não tinha nada resolvido. Pensando em tudo isso e atormentada pelo pânico de não ter ninguém que a amasse, de ter deixado boa parte da sua história em branco por medo das rasuras, de nunca ter vivido o sentimento de amparo e desamparo que só o amor provoca ou simplesmente por medo de nunca fazer sexo resolveu que tudo seria diferente a partir daquele dia. Buscou ajuda profissional pra dar conta de seu intento. Pra não ter que apelar a garotos de programa, pensou em terapia. Claro que o terapeuta iria dizer que tudo não passava de um movimento inconsciente relacionado ao Complexo de Édipo que reforçava seu egocentrismo pra escapar da dor da frustração e das feridas narcísicas que narcisistas como ela não tinham cacife pra suportar. Ou talvez ela deixasse de lado os rótulos repetidos sobre terapia e terapeutas  pra se arriscar ao desconforto da desconstrução só mais uma vez na vida. Pra mudar de fase e não deixar o movimento arrefecer.

Um comentário:

Juliano Matos disse...

gostei do texto, mas virgínia poderia ter procurado um Cognitivo-comportamental ou humanista tb..coitados dos psicanalístas..kk